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O Fadista

domingo, outubro 30, 2005

Norberto acelerou o passo de forma a que o autocarro não lhe escapasse. Normalmente, tomaria um táxi para chegar ao seu destino, mas hoje não. Apetecia-lhe demorar. Serpenteou célere entre as pessoas que saiam do autocarro e que esperavam na paragem. Num pulo ligeiro e elegante, saltou para dentro do autocarro e comprou um bilhete com os trocos que tinha.
Já não se lembrava quanto custava um bilhete. Tinha sido há muito tempo a última vez que fora passageiro do 30. Avançou pelo corredor analisando onde estavam os lugares vazios. Sentou-se quase ao fundo, à janela. Quando ao de leve tocou na senhora ao seu lado disse - "Perdão".
Norberto olhou à sua volta. Tantas caras diferentes de si próprio. Havia de tudo. Senhoras parecidas com a sua mulher-a-dias, jovens com pinta de bandido carregados de mochilas e leitores de mp3, idosos de cara inocente viajando sem destino, trabalhadores de mãos gastas de aspecto rude e cansado. E ele. Apesar do seu à vontade na maioria das interações sociais, não deixou de se sentir diferente dos outros. Os sapatos italianos de couro macio, as calças cremes business casual da Dockers, a camisa de riscas azuis Ralph Lauren, o casaco de caça da Burberry's, o cabelo impecavelmente cortado no António, as mãos macias de menina, de quem nunca as usou para trabalhar, tudo nele era diferente dos outros. E ele sabia. Era o único naquele autocarro que nesse dia ia cometer um crime. Não pensou muito nisso e olhou para a rua além da janela.


Posted by rms |


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